Afinal, o que é ESTÉTICA?
e outros devaneios
Bom, vamos lá. A primeira vez (documentada) que alguma ideia embrionária de estética foi elaborada na literatura foi na grécia antiga. Já adianto que, de tantos nomes que eu poderia adentrar aqui, focarei somente em dois: Platão e Baumgarten. Não temos tanto tempo assim, e eles são bem importantes. Também adianto e friso que as duas concepções de estética diferem, mas se relacionam, e são temporalmente muito afastadas.
"Aisthesis", do grego, significa percepção pelos sentidos (ao contrário da via racional). Uma contextualização importante: na época, o paradigma artístico ainda se confinava a compreender a arte como mímese da realidade. Para Platão, isso tornava a arte inferior a filosofia, pois sua função social era a de copiar o que ele mesmo já considerava, por si só, uma cópia de outra coisa. Confuso? Não, olha só:
Para Platão, a nossa realidade é uma cópia imperfeita do mundo das ideias. É nessa dimensão onde, para ele, a verdadeira beleza residia. Eventualmente, em outros momentos da história da humanidade, isso se atrelou ao zeitgeist como uma justificativa para inferiorizar trabalhos da ordem do mundo material. É um dos motivos pelos quais, durante séculos, sociedades ocidentais viam o artesanato como algo "inferior" á própria arte, visto que criavam objetos de uso e manipulação cotidiana.
Durante o renascimento, houveram muitas movimentações de cunho sócio-político por parte dos artistas para que fossem valorizados e compreendidos enquanto realizadores de um ofício intelectualizado, diferente de seus primos artesãos. A distinção, na época, passou a conotar a arte como algo elevado. Ou seja, houve um retorno à Platão, mas com a seguinte vírgula: nós, artistas, também fazemos um trabalho elevado e exigimos esse reconhecimento social. O problema disso é o seguinte: para algo ser visto como "arte", outra coisa tem que ser vista como "não arte".
É importante notar que tal distinção sempre andou por vias políticas, ou seja, de interesses de classe visando realocações na esfera social e econômica. A determinação do que é, ou não, arte, inevitavelmente transita pela esfera política, embora não se restrinja a ela. Não é raro observar favoritismos arbitrários de determinados movimentos artísticos em detrimento de outros, devido a interesses específicos da classe dominante de um país. Isso ocorreu, curiosamente, em uma via dupla durante o início da guerra fria. Nos EUA, tínhamos o expressionismo abstrato, propositalmente alavancado e incentivado pelo estado e elites estadunidenses; em contraponto ao realismo soviético, que via tais expressões artísticas como frivolidades burguesas. A ideologia perpassa todos os debates.
Mas enfim, voltando. Tempos depois, houveram movimentos artísticos que visavam, fundamentalmente, a união do artesanato e das artes, profundamente conectados à própria gênese do design como o conhecemos. Posso citar, primordialmente, William Morris, do movimento Arts and Crafts, e Walter Gropius, fundador e primeiro diretor da Bauhaus. Ambos visaram um retorno ao artesanal (mesmo que de maneiras diferentes) e à destruição das barreiras previamente estabelecidas que segregavam o artesanato da arte.
EM RESUMO, O QUE ERA ESTÉTICA PARA PLATÃO?
Platão entendia que, devido a aisthesis ser uma forma de compreensão da nossa realidade pela via dos sentidos, não é, portanto, uma forma de conhecimento confiável. Afinal, para ele, a nossa própria realidade, como um todo, é uma imitação falha do mundo das ideias. Além disso, havia sempre a pauta do que é, ou não, belo, e todo o dogmatismo derivado disso. Como se algo ser, ou não, belo, fosse uma temática do maior grau de relevância, além de facilmente definido por arbítrios lógicos imensos. Estou falando de um filósofo de mais de dois milênios atrás, então não se apeguem a sua perspectiva. Muito mudou de lá para cá.
ALEXANDER GOTTLIEB BAUMGARTEN
Muitos séculos depois, em 1750, esse indivíduo aparece em cena. É tido como o pai da estética moderna, e foi o grande responsável por aprofundar esse ramo de conhecimento e formalizá-lo enquanto uma área de estudo relevante para a humanidade. Foi ele, inclusive, quem cunhou a própria palavra 'estética'.
Para Baumgarten, a estética é a ciência do conhecimento sensitivo. É a capacidade de experienciar e elaborar a realidade material através de nossos sentidos. Uma forma contrária de compreensão da realidade pela via do sensato. Essa ideia parte do princípio de que nossas experiências sensoriais (visão, olfato, audição) são tão (ou mais) importantes quanto a razão, se tratando da experiência humana como um todo.
Em sua construção filosófica, Baumgarten propõe um caminho oposto ao de Platão: ele entende que, mesmo que a estética seja a assimilação sensível da nossa realidade material, há, sim, o belo nessa relação. Ele advoga e elabora sua tese a partir da seguinte ideia: as artes materiais e suas perspectivas de assimilação do sensível são tão importante quanto abstrações e ideações em sua forma "pura". Ou seja, Baumgarten entendia que nesse contato sensível com o mundo, era possível desenvolver atividades intelectualmente robustas e profundas, devido à ampla gama de emoções e sentimentos humanos. Nós somos tocados o tempo todo por uma infinitude de atributos de elementos contrastantes, que nos influenciam em esferas muito profundas de ser e estar. Nós sentimos e, quiçá, elaboramos, a realidade a partir desses elementos. As cores, as texturas dos objetos materiais, os cheiros, e tudo mais.
A ESTÉTICA E A ARTE
Estética e arte não são a mesma coisa. Seria como comparar um rinoceronte com uma rúcula. Uma pessoa pode fazer uma análise estética de praticamente todos os objetos, fenômenos, eventos e cenários que existem em nosso mundo. Esse campo de estudo não se restringe, e nunca se restringiu, à arte. Além disso, como sabemos, a estética não se restringe a definições abstratas e arbitrárias de "belo", devido ao trabalho de Baumgarten.
Com relação à arte, temos inúmeras formas de interpretação, análise e compreensão que sequer passam perto de falarmos de estética. Há trabalhos artísticos cujas características fundamentais simplesmente não circundam a estética. A teoria da visibilidade pura, por exemplo, defende a ideia de que os atributos mais importantes em uma obra visual são os seus elementos visuais e formais. Curvaturas, relações de contraste, cor, espaços negativos, texturas, utilização de determinadas técnicas em conjunto.
É aqui que pode surgir algum nível de confusão, pois, apesar de inicialmente parecidas, há um abismo de diferença entre analisar uma obra de arte partindo desse ponto de vista e do ponto de vista estético. Inclusive, a teoria da visibilidade pura prega que toda e qualquer obra de arte deve ser analisada e valorizada pelos atributos formais, mesmo que não desconsidere a semiótica e elementos contextuais humanos ao fazê-lo. Acontece que intersecções podem ocorrer, e ocorrem com certa frequência.
A questão é a seguinte: sim, tais elementos visuais (cor, forma, composição, textura) podem gerar uma percepção sensorial no indivíduo que suscitam determinados fenômenos emocionais subjetivos, mas a análise de visibilidade pura não os entende enquanto fatores cruciais para a obra. Ou seja, as formas e suas relações, por si só, são mais importantes para a obra do que o que você atrela a elas no nível sensível de compreensão da mesma. A obra de arte existe por si só, independentemente dos sentimentos de quem a vê.
E é aí que entra, visivelmente, a distinção da estética e da arte. Muitas vezes pode-se analisar a arte partindo do escopo da estética, mas não podemos esquecer que a estética é um ramo da filosofia, e não da teoria da arte. Eu poderia falar o mesmo a respeito da semiótica: nem toda obra artística precisa da semiótica para ser analisada e absorvida. Inclusive, para a teoria da visibilidade pura, toda a história da arte pode ser compreendida e estudada sem levar em conta absolutamente nada a respeito de semiótica e estética, utilizando somente o arcabouço da teoria da arte para tal feito.
BELAS ARTES, ARTES PLÁSTICAS E ARTES VISUAIS
É a mesma coisa? Mais ou menos. Há uma herança platônica aqui também. As mudanças de paradigmas na história da cultura ocidental, no que se refere à arte e à estética, ao mesmo tempo derivam e explicam muito bem algumas contradições que mencionei anteriormente nesse post.
'Belas artes' é o nome mais antigo, já há muito obsoleto. Derivação direta da percepção platônica injetada no zeitgeist de séculos posteriores. 'Artes plásticas' foi o nome resultante do abandono da noção de "belo" enquanto pedra angular da produção artística. Nesse momento, também já entendiam as artes materiais (pintura, escultura) como um trabalho intelectualizado, vide a segunda alteração de nome. Contudo, também é uma nomenclatura obsoleta. Artes visuais foi o nome dado na seguinte mudança de paradigma, após o surgimento de novas expressões de arte que não envolvem um objeto material como resultado do exercício artístico. Nessa categoria entram expressões artísticas como o audiovisual e a performance, por exemplo. Daí, então, 'artes visuais'.
Espero que tenham gostado do nosso primeiro post,
Nosso manifesto está disponível em
https://www.carvalhodesignlab.com/manifesto/
Com carinho, Matheus Carvalho

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